quinta-feira, 12 de julho de 2007

Salvar o quê ou quem*


Todos os dias as televisões nos mostram uma natureza em fúria duma ponta à outra do globo: inundações na Índia, incêndios nos EUA, seca em Itália e glaciares a derreter nos mares do sul... – e eis o telespectador a concluir que o clima já não é o que era. Essa conclusão não é aliás muito diferente daquelas outras a que, noutros tempos, chegaram outros homens, vivessem eles em cavernas ou palácios. Muitas das festividades do nosso calendário são o elo que nos liga a esses antepassados que a cada solstício ou equinócio procuravam acalmar e agradar aos caprichosos deuses que regiam o sol e as chuvas. Não só os homens sempre temeram e concluíram que o clima estava a mudar como ele de facto tem mudado.

O que existe de novo neste século XXI é não só a possibilidade de cientificamente se acompanhar essa mudança como se assiste simultaneamente a uma enorme preocupação em torno da responsabilidade humana nessas alterações e a uma mobilização para as evitar.

Aqui chegados convém que se páre e que se pondere muito bem o que se anda a fazer a pretexto da salvação da Terra. E sobretudo que não se esqueça que as alterações de clima são também política. Aliás o tema deve parte da sua notoriedade presente a Al Gore, um possível candidato a candidato à Casa Branca, e deveu-a no passado à senhora Thatcher. Mais precisamente à sua decisão enquanto chefe de governo de desmontar o poderio dos sindicatos dos mineiros britânicos. Esta determinação de Thatcher implicava apostar noutras energias nomeadamente no nuclear. Mas para isso havia que transformar o nuclear em algo de aceitável pela opinião pública. Numa das maiores viragens registadas nos últimos anos, a energia nuclear passou do histerismo do “Síndroma da China” para um tempo em que é vista como uma opção fatalmente inevitável perante o terror inspirado pelas alterações de clima. Homens como James Lovelock, criador da teoria de Gaia e um dos rostos da ecologia na Grã Bretanha, dão agora a cara publicamente pela opção nuclear e dizem e escrevem que apenas ela, a maldita de ontem, pode agora salvar a Terra.

Neste quadro em que alguns apelam a cruzadas e guerras para salvar a Terra, países sem o mínimo de infra-estruturas, como Angola, anunciam que pretendem construir centrais nucleares e isso suge como preferível à emissão de CO2. Recordo que a opção pelo nuclear não quer dizer apenas construir uma central. Implica serviços de saúde a funcionar, estradas, capacidade de enfrentar situações de risco, técnicos altamente qualificados e, por estranho que pareça, a democracia é também indispensável. Não foi por acaso que os grandes acidentes aconteceram na URSS. Se não existir imprensa livre, se as associações de cidadãos não funcionarem, se os técnicos forem desautorizados pelos políticos então o risco é exponenciado.

Mas mesmo nos países habituados a polémicas, como é a Espanha, as opiniões públicas mostram-se tranquilas não só perante a opção nuclear como inclusivamente face à possibilidade de prolongamento da vida útil de algumas centrais. Até a incontornável questão dos resíduos deixou de suscitar angústias de maior.

Dir-me-ão que tudo é necessário para salvar a Terra. Na verdade a Terra não precisa de ser salva. A nossa humana vida, tão pequena e transitória na escala do planeta, essa é que por vezes é ameaçada. E a opção pelo nuclear implica riscos que não podem ser subestimados.

*PÚBLICO, 11 de Julho


Via Blasfémia

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